sábado, 27 de setembro de 2014





 Reflexos de uma vitrine


... Olhos ansiosos
Em meio à turbulenta avenida.
Mãos apertadas
Em volta da bolsa de mão.
Andar apressado...
Correr para mais um desafio.
Guerreiros que travam batalhas
Em plena civilização.
Vê-se o medo
Estampado numa feição.
Implacáveis minutos
Correm como transeuntes
Que se esbarram também entre si...
Tempo não para sonhar,
Sim para enfrentar
A imposição dura de uma realidade:
Crianças a educar
Faculdade a concluir,
Família a alimentar...
Movimentos frenéticos
Procurando qualidade.
Compromissos inadiáveis
Audíveis nas buzinas
De um trânsito agitado...
(e as têmporas não param de latejar...
Maldita dor de cabeça!)
Férias? Não. Dinheiro extra.
Portas fechadas
Para quem não o tem.
E a consulta ao médico,
Adiada mais uma vez,
Explicita prioridades.
Ansiedade corroendo por dentro,
Insatisfação que leva à depressão...
Dignidade assaltada
Por armas não de fogo.
Coerência que a vida perde
Diante d'um capitalismo cínico,
Exigente de padrões
Que um ser comum
Não pode alcançar.
Consequências de princípios
Que ninguém respeitou...
Burburinhos de uma multidão
Que se misturam a alarmes
E a vozes de ofertantes
Que tentam ganhar atenções...
Uma porta se abre.
Ombros caídos depois da espera...
Concorrência que apóia os fortes,
Sem a ninguém ensinar.
E vai seguindo a ironia,
Passeando por entre cidadãos,
Roubando os seus sonhos,
Ignorando suas vidas...
Sarcasmo da insegurança,
Da instabilidade social,
Das lacunas nos seus direitos...
Correria no calçadão
Refletida no vidro embaçado
E já desgastado,
De uma velha vitrine...


Simone G.
2008

quinta-feira, 25 de setembro de 2014





Perder sempre nos traz um sentimento de frustração. Ninguém gosta de perder, essa é a realidade nua e crua, mesmo quando se é um objeto de pouca importância, queremos sabê-lo sempre nosso porque deixar de tê-lo traz uma espécie de insatisfação. Eu mesma já perdi N coisas... fico com raiva quando não encontro o que eu busco - se eu não joguei, a coisa tem obrigação de estar ali... ou estou errada?
Mas, enfim, tenho descoberto que perder faz parte da vida. E isso não me dá uma sensação boa...
No entanto, a verdade é que futilidades perdidas são facilmente superadas. Afinal, são somente coisas - coisas apenas.
O que me amedronta são essências, quando as perdemos. Isso porque essência está num outro nível de nossa existência. É tipo aquilo que respiramos, sabe? É tipo aquilo que carregamos no mais profundo do eu. É tipo aquilo que é um pedaço de nós, de alguma forma.
Essências perdidas são assustadoramente desesperantes. Dramático assim.
Perder a alegria, o ânimo, a esperança... como é ruim! Dor dilacerante, perder quem nós amamos...
Perder oportunidades que sabemos serem únicas é, no mínimo, desalentador. Perder uma memória, a amizade de alguém, a confiança, a paz...
Não poder mais ver as cores e as feições, não poder ouvir melodias ou mesmo o som da própria voz, nem sentir a textura da pele de quem a gente gosta, ou, ainda, o cheiro de fragrâncias que marcam lembranças... como deve ser saudoso!
Deixar de ter é coisa difícil de se aceitar, não é nada fácil não... Talvez exista um lugar onde se estão todos os achados e perdidos da vida.
Rever o significado de perda pode nos dar respostas que procuramos, bem como nos fazer entender o sentido de muitas coisas.
Mas, e quanto a perder a si? Deixar de se encontrar quando for conversar consigo mesmo. Que mistério seria... talvez o mais assustador de todos!
Já sabemos, aliás, quem somos? É possível que nossa essência se perca de nós? E se se perder, onde encontrá-la, qual o lugar predileto dela, onde deveríamos primeiro procurar? Enfim... deve ser apavorante perder-se de si. Procurar-se e descobrir que não se está mais lá. Deve ser estranho...
Mas, quem se tem de verdade?
Talvez essa resposta esteja intrinsecamente ligada ao tipo de relacionamento que temos com Deus.
É provável que todos já tenhamos nos perdido um pouco de nós mesmos e precisemos nos achar. É uma hipótese.
Há, até, uma possibilidade de que, eventualmente, tenhamos que perder para, afinal, encontrar. Um dos paradoxos da vida... e, dos difíceis! Digo isso porque alimentar da maneira equivocada quem pensamos ser, somente nos distanciará mais e mais da verdade. A verdade de que não fazer o que queremos nem sempre é sinônimo de perda.
A frustração de algumas perdas pode estar mais ligada ao nosso egoísmo e vaidade do que, propriamente, à nossa necessidade.
A vida vai nos ensinando que perder faz parte, mas que precisamos e devemos seguir em frente porque se resistirmos à mudança daquilo que era e não é mais, vamos estar sobrecarregando nossos ombros já tão frágeis e nossa mente já tão abarrotada de informações, trazendo sobre nós pesos que impossibilitarão a nossa jornada.
Só não nos percamos de Deus e o restante vai se encaixando onde tiver que se encaixar.
É isso...




Simone Galdino
26 de Setembro de 2014, 01:15h